A NBR 15.575 é a primeira norma técnica brasileira a estabelecer parâmetros que permitem avaliar o desempenho de alguns dos sistemas que compõem as edificações habitacionais. Entre diversos outros aspectos, ela abrange processos de projeto e especificação a fim de assegurar melhor padrão de qualidade aos edifícios residenciais. Arquitetos, consultores, fornecedores e construtores poderão responder judicialmente, caso a construção apresente desempenho abaixo do determinado.
Embora sejam fundamentais para o bom exercício profissional, as normas técnicas ainda não fazem parte do repertório de muitos dos arquitetos brasileiros. Na tentativa de saber como alguns escritórios de arquitetura estariam se preparando para trabalhar com base na NBR 15.575, que será exigida a partir de 12 de março de 2012, a reportagem obteve apenas uma resposta positiva, vinda do escritório Roberto Candusso Arquitetos Associados. “Estamos estudando como aplicar a norma em todos os níveis. É como um exercício que começa no anteprojeto e vai até o executivo de todos os nossos projetos no momento. Vemos como atender à norma na prática e como isso será descrito no projeto legal. Nesse primeiro momento, são os gerentes que estão fazendo o trabalho, mas logo toda a equipe estará envolvida”, explica Rachel Vasconcelos, gerente de projeto legal do escritório de Candusso.
Em outras tentativas, a reportagem deparou com o absoluto desconhecimento sobre a primeira norma brasileira a definir níveis de desempenho para edificações habitacionais. “Do que trata exatamente essa NBR?”, perguntou à repórter um conhecido e atuante arquiteto. Já a secretária de um consagrado escritório de arquitetura não demonstrou nenhum constrangimento ao sugerir que seria perda de tempo falar com seu chefe. “O assunto é norma técnica? Ele não se liga nisso, não”, garantiu. Do titular de outro grande escritório, a resposta foi: “Sim, já ouvi falar, mas não conheço os detalhes. Onde é que eu posso Norma deve mudar a construção civil brasileira A NBR 15.575 é a primeira norma técnica brasileira a estabelecer parâmetros que permitem avaliar o desempenho de alguns dos sistemas que compõem as edificações habitacionais. Entre diversos outros aspectos, ela abrange processos de projeto e especificação a fim de assegurar melhor padrão de qualidade aos edifícios residenciais. Arquitetos, consultores, fornecedores e construtores poderão responder judicialmente, caso a construção apresente desempenho abaixo do determinado. conseguir essa norma?”. A reportagem não recebeu retorno de outros profissionais que tentou entrevistar para falar sobre o tema.
Diante desse quadro, não é de se estranhar que a categoria dos arquitetos tenha sido a de menor representatividade no grupo de especialistas que participou da elaboração da NBR 15.575, publicada em maio de 2008. A norma, que foi aprovada à revelia dos arquitetos e de alguns outros representantes da cadeia da construção, entrou em vigor em estágio probatório pelo período de dois anos e passaria a ser obrigatória a partir de maio de 2010, prevendo mais seis meses de prazo para a adequação dos projetos. No entanto, o mercado não aproveitou o intervalo de tempo para se preparar e às vésperas da exigibilidade criou-se um clima de pânico porque alguns se deram conta de que não tinham como atender de imediato aos novos padrões, enquanto outros questionavam critérios e parâmetros dados pela nova regulamentação. O resultado foi a abertura de uma consulta pública que gerou visitação recorde no site da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e levou tanto à postergação da obrigatoriedade da norma como à revisão (em andamento) de aspectos considerados polêmicos.
O novo prazo se aproxima e a situação não parece estar muito diferente da observada em 2010. “A falta de preparo do mercado adiou a exigibilidade dessa norma que implica mudança significativa na forma de trabalho e traz o compromisso com a melhoria da qualidade na construção civil brasileira. Já se passou um bom tempo e ainda não vejo o mercado bem preparado. Alguns setores correram atrás, mas muitos outros nem sabem do que se trata. Falta cultura de norma técnica no Brasil”, constata o engenheiro civil Carlos Borges, que foi o coordenador da Comissão de Estudo da ABNT, responsável pela elaboração da norma, e atualmente é vice-presidente de tecnologia e qualidade do Secovi/SP (sindicato das empresas de venda e locação de imóveis). O engenheiro civil Fábio Villas Boas, coordenador geral dos trabalhos de revisão da norma e diretor técnico da Tecnisa, concorda. “Não podemos dizer que o mercado esteja pronto para a norma. As pessoas não se prepararam, algumas por deficiência de infraestrutura, como falta de laboratórios para ensaios, ou por problemas da indústria, que ainda não caracterizou o desempenho de seus produtos”, explica.
NBR 15.575/2008 | |
ABNT NBR 15.575-1 | Edifícios habitacionais de até cinco pavimentos - Desempenho Parte 1: Requisitos gerais |
ABNT NBR 15.575-2 | Edifícios habitacionais de até cinco pavimentos - Desempenho Parte 2: Requisitos para os sistemas estruturais |
ABNT NBR 15.575-3 | Edifícios habitacionais de até cinco pavimentos - Desempenho Parte 3: Requisitos para os sistemas de pisos internos |
ABNT NBR 15.575-4 | Edifícios habitacionais de até cinco pavimentos - Desempenho Parte 4: Sistemas de vedações verticais externas e internas |
ABNT NBR 15.575-5 | Edifícios habitacionais de até cinco pavimentos - Desempenho Parte 5: Requisitos para sistemas de coberturas |
ABNT NBR 15.575-6 | Edifícios habitacionais de até cinco pavimentos - Desempenho Parte 6: Sistemas hidrossanitários |
A norma e o arquiteto
A NBR 15.575 refere-se ao desempenho de edifícios habitacionais de até cinco pavimentos (leia PROJETO DESIGN 345, novembro de 2008, e 369, novembro de 2010). Porém, seus parâmetros serão aplicáveis também em projetos de casas e de prédios residenciais com qualquer quantidade de andares. “A norma é mais abrangente que o título. Existem aspectos que não estão relacionados à altura do edifício e, em caso de demanda judicial, o juiz dará ganho de causa ao consumidor, mesmo que o prédio tenha 40 pavimentos”, alerta o arquiteto Paulo Segall, integrante do conselho deliberativo da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea) e representante da entidade na comissão de revisão da norma técnica. “Nós, arquitetos, não participamos da elaboração da norma, mas agora estamos atuando ativamente no processo de revisão. É importante esclarecer que quando o arquiteto assinar uma ART [Anotação de Responsabilidade Técnica, que registra as atividades para as quais o profissional foi contratado] estará assumindo automaticamente a responsabilidade pelo cumprimento das normas. Quem não dá bola para a qualidade do projeto poderá estar criando um grande passivo e no futuro terá que responder pelos erros. Essa norma torna os arquitetos mais responsabilizáveis e técnicos. Haverá uma nova linha de corte no mercado, mas isso deve ser visto como oportunidade, e não como problema”, alerta Segall.
O engenheiro civil Maurício Bianchi, vice-presidente do sindicato paulista da indústria da construção, o Sinduscon/SP, participou da elaboração da norma e desde maio de 2008 vem orientando preventivamente associados da entidade. Ele já antecipa a chamada dos arquitetos à responsabilidade. “A ausência dos arquitetos ao longo do processo é uma arma que será usada contra eles próprios em um futuro próximo. Primeiro porque os contratantes irão buscar os escritórios mais qualificados, mesmo que sejam de fora. E também porque a construtora é uma montadora que executa o projeto que recebe. Se o desempenho não for considerado no projeto, quem vai responder é o arquiteto, não o construtor”, explica Bianchi, que também é vice-presidente da BKO Engenharia.
Borges esclarece essa relação. “A norma estabelece o papel de todos os agentes envolvidos, define responsabilidades e cria condições de rastreabilidade. Até agora, somente o construtor era responsabilizado, mesmo que o problema estivesse no projeto. Mas a partir de março de 2012 haverá parâmetros para regulamentar o mercado e ações judiciais, e também passará a existir a responsabilidade compartilhada”, esclarece. “Uma vez que a norma passe a ser exigida, o arquiteto deverá especificar no projeto qual o padrão de desempenho adotado e o que irá garanti-lo. Tudo terá que estar caracterizado”, completa Villas Boas.
A NBR 15.575 está dividida em seis partes, que abrangem especificamente requisitos gerais da edificação, sistemas estruturais, sistemas de pisos, de vedações verticais externas e internas, de coberturas e hidrossanitários (leia o quadro NBR 15.575/2008) e remetem às normas técnicas que devem ser seguidas em cada uma dessas etapas do projeto. Para cada sistema são instituídos níveis mínimos de desempenho, os métodos de avaliação e a vida útil, a fim de atender às demandas dos usuários em termos de segurança, habitabilidade e sustentabilidade. Essas demandas estão definidas na primeira parte da norma (leia o quadro Exigências dos Usuários), que inclui também os requisitos gerais comuns aos diferentes sistemas, estabelecendo as interações entre eles, sempre com foco no desempenho global e no comportamento em uso do edifício. As demais partes isolam os sistemas determinados.
Atualmente, a NBR 15.575 está em revisão e o novo texto deve entrar em consulta pública no próximo mês de setembro. De acordo com Alaís Colucci, representante da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimento (Anfacer) na comissão de revisão, os interessados terão 30 dias para se manifestar e a comissão terá mais 90 dias para responder aos questionamentos surgidos. “Estamos prevendo que a norma seja republicada em fins de janeiro ou no começo de fevereiro de 2012”, afirma.
O processo de revisão não deve trazer grandes alterações na norma publicada em 2008. “Existem alguns pontos mais polêmicos, com determinados parâmetros sendo questionados, como a confusão entre vida útil e garantia, por exemplo, mas de resto o objetivo é melhorar a redação, incluir ou excluir informações, e fazer referência a outras normas que foram revisadas nesse meio tempo. Na verdade, as mudanças causam desconforto e esse é o principal ponto da negociação”, explica Villas Boas.
A NBR 15.575 refere-se ao desempenho de edifícios habitacionais de até cinco pavimentos (leia PROJETO DESIGN 345, novembro de 2008, e 369, novembro de 2010). Porém, seus parâmetros serão aplicáveis também em projetos de casas e de prédios residenciais com qualquer quantidade de andares. “A norma é mais abrangente que o título. Existem aspectos que não estão relacionados à altura do edifício e, em caso de demanda judicial, o juiz dará ganho de causa ao consumidor, mesmo que o prédio tenha 40 pavimentos”, alerta o arquiteto Paulo Segall, integrante do conselho deliberativo da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea) e representante da entidade na comissão de revisão da norma técnica. “Nós, arquitetos, não participamos da elaboração da norma, mas agora estamos atuando ativamente no processo de revisão. É importante esclarecer que quando o arquiteto assinar uma ART [Anotação de Responsabilidade Técnica, que registra as atividades para as quais o profissional foi contratado] estará assumindo automaticamente a responsabilidade pelo cumprimento das normas. Quem não dá bola para a qualidade do projeto poderá estar criando um grande passivo e no futuro terá que responder pelos erros. Essa norma torna os arquitetos mais responsabilizáveis e técnicos. Haverá uma nova linha de corte no mercado, mas isso deve ser visto como oportunidade, e não como problema”, alerta Segall.
O engenheiro civil Maurício Bianchi, vice-presidente do sindicato paulista da indústria da construção, o Sinduscon/SP, participou da elaboração da norma e desde maio de 2008 vem orientando preventivamente associados da entidade. Ele já antecipa a chamada dos arquitetos à responsabilidade. “A ausência dos arquitetos ao longo do processo é uma arma que será usada contra eles próprios em um futuro próximo. Primeiro porque os contratantes irão buscar os escritórios mais qualificados, mesmo que sejam de fora. E também porque a construtora é uma montadora que executa o projeto que recebe. Se o desempenho não for considerado no projeto, quem vai responder é o arquiteto, não o construtor”, explica Bianchi, que também é vice-presidente da BKO Engenharia.
Borges esclarece essa relação. “A norma estabelece o papel de todos os agentes envolvidos, define responsabilidades e cria condições de rastreabilidade. Até agora, somente o construtor era responsabilizado, mesmo que o problema estivesse no projeto. Mas a partir de março de 2012 haverá parâmetros para regulamentar o mercado e ações judiciais, e também passará a existir a responsabilidade compartilhada”, esclarece. “Uma vez que a norma passe a ser exigida, o arquiteto deverá especificar no projeto qual o padrão de desempenho adotado e o que irá garanti-lo. Tudo terá que estar caracterizado”, completa Villas Boas.
A NBR 15.575 está dividida em seis partes, que abrangem especificamente requisitos gerais da edificação, sistemas estruturais, sistemas de pisos, de vedações verticais externas e internas, de coberturas e hidrossanitários (leia o quadro NBR 15.575/2008) e remetem às normas técnicas que devem ser seguidas em cada uma dessas etapas do projeto. Para cada sistema são instituídos níveis mínimos de desempenho, os métodos de avaliação e a vida útil, a fim de atender às demandas dos usuários em termos de segurança, habitabilidade e sustentabilidade. Essas demandas estão definidas na primeira parte da norma (leia o quadro Exigências dos Usuários), que inclui também os requisitos gerais comuns aos diferentes sistemas, estabelecendo as interações entre eles, sempre com foco no desempenho global e no comportamento em uso do edifício. As demais partes isolam os sistemas determinados.
Atualmente, a NBR 15.575 está em revisão e o novo texto deve entrar em consulta pública no próximo mês de setembro. De acordo com Alaís Colucci, representante da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimento (Anfacer) na comissão de revisão, os interessados terão 30 dias para se manifestar e a comissão terá mais 90 dias para responder aos questionamentos surgidos. “Estamos prevendo que a norma seja republicada em fins de janeiro ou no começo de fevereiro de 2012”, afirma.
O processo de revisão não deve trazer grandes alterações na norma publicada em 2008. “Existem alguns pontos mais polêmicos, com determinados parâmetros sendo questionados, como a confusão entre vida útil e garantia, por exemplo, mas de resto o objetivo é melhorar a redação, incluir ou excluir informações, e fazer referência a outras normas que foram revisadas nesse meio tempo. Na verdade, as mudanças causam desconforto e esse é o principal ponto da negociação”, explica Villas Boas.
Os pontos mais polêmicos em revisão não estão ligados a projeto, mas sim à indústria de materiais. Segundo a engenheira de materiais Ana Paula Menegazzo, superintendente do Centro Cerâmico Brasileiro, relatora do Grupo de Trabalho 3 que atua na revisão da norma e coordenadora da comissão de estudos de placas cerâmicas, entre as principais discussões hoje estão o requisito usado para avaliar a resistência ao escorregamento do revestimento cerâmico, diversas questões relativas ao piso, independentemente do material de revestimento, aspectos relacionados à acústica e o quesito propagação superficial da chama nos diversos materiais, em atendimento a mudanças recentes nas exigências do Corpo de Bombeiros.
Exigências dos usuários | ||
Segurança | Habitabilidade | Sustentabilidade |
Estrutural Contra o fogo No uso e na operação | Estanqueidade Conforto térmico Conforto acústico Conforto lumínico Saúde, higiene e qualidade do ar Funcionalidade e acessibilidade Conforto tátil e antropodinâmico | Durabilidade Manutenabilidade Impacto ambiental |
“Nosso próximo passo é fazer todos os testes para todas as tipologias de piso, para avaliar a resistência ao escorregamento, ao impacto e ao ataque químico dos materiais usados como revestimento, seja madeira, cerâmica, PVC ou qualquer outro”, explica Ana Paula. Entre os pontos mais difíceis está a busca por um método de ensaio para simplificar as medições que as construtoras terão que fazer para avaliar a homogeneidade da planeza do piso. “O ensaio usado como referência na norma é muito complexo para o dia a dia da obra”, ela detalha. Outro ponto em discussão é a mudança do título da parte três da norma. “A redação não deixa claro o que é piso interno e para evitar essa confusão queremos deixar apenas ‘Requisitos para sistemas de pisos’, o que já abrange áreas comuns e privativas, sem dar margem a dúvidas”, conclui a engenheira.
Publicada originalmente em PROJETODESIGN
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